quinta-feira, 6 de maio de 2010

Gripe Suína

2.5.09
A Gripe dos Porcos e a Mentira dos Homens de Mauro
Santayana
Jornal do Brasil


A
gripe
dos
porcos
e
a
mentira
dos
homens

Data: 01/05/2009
Crédito: Mauro Santayana


O governo do México e a agroindústria procuram desmentir o óbvio: a gripe que
assusta o mundo se iniciou em La Glória, distrito de Perote, a 10 quilômetros da
criação de porcos das Granjas Carroll, subsidiária de poderosa multinacional do ramo,
a Smithfield Foods. La Glória é uma das mais pobres povoações do país. O primeiro a
contrair a enfermidade (o paciente zero, de acordo com a linguagem médica) foi o
menino Edgar Hernández, de 4 anos, que conseguiu sobreviver depois de medicado.
Provavelmente seu organismo tenha servido de plataforma para a combinação
genética que tornaria o vírus mais poderoso. Uma gripe estranha já havia sido
constatada em La Glória, em dezembro do ano passado e, em março, passou a
disseminar-se rapidamente.

Os moradores de La Glória – alguns deles trabalhadores da Carroll – não têm dúvida:
a fonte da enfermidade é o criatório de porcos, que produz quase 1 milhão de animais
por ano. Segundo as informações, as fezes e a urina dos animais são depositadas em
tanques de oxidação, a céu aberto, sobre cuja superfície densas nuvens de moscas se
reproduzem. A indústria tornou infernal a vida dos moradores de La Glória, que,
situados em nível inferior na encosta da serra, recebem as águas poluídas nos riachos
e lençóis freáticos. A contaminação do subsolo pelos tanques já foi denunciada às
autoridades, por uma agente municipal de saúde, Bertha Crisóstomo, ainda em
fevereiro, quando começaram a surgir casos de gripe e diarreia na comunidade, mas
de nada adiantou. Segundo o deputado Atanásio Duran, as Granjas Carroll haviam
sido expulsas da Virgínia e da Carolina do Norte por danos ambientais. Dentro das
normas do Nafta, puderam transferir-se, em 1994, para Perote, com o apoio do
governo mexicano. Pelo tratado, a empresa norte-americana não está sujeita ao
controle das autoridades do país. É o drama dos países dominados pelo
neoliberalismo: sempre aceitam a podridão que mata.

O episódio conduz a algumas reflexões sobre o sistema agroindustrial moderno.
Como a finalidade das empresas é o lucro, todas as suas operações, incluídas as de
natureza política, se subordinam a essa razão. A concentração da indústria de
alimentos, com a criação e o abate de animais em grande escala, mesmo quando
acompanhada de todos os cuidados, é ameaça permanente aos trabalhadores e aos
vizinhos. A criação em pequena escala – no nível da exploração familiar – tem, entre
outras vantagens, a de limitar os possíveis casos de enfermidade, com a eliminação
imediata do foco.

Os animais são alimentados com rações que levam 17% de farinha de peixe,
conforme a Organic Consumers Association, dos Estados Unidos, embora os porcos
não comam peixe na natureza. De acordo com outras fontes, os animais são
vacinados, tratados preventivamente com antibióticos e antivirais, submetidos a
hormônios e mutações genéticas, o que também explica sua resistência a alguns
agentes infecciosos. Assim sendo, tornam-se hospedeiros que podem transmitir os
vírus aos seres humanos, como ocorreu no México, segundo supõem as autoridades
sanitárias.

As Granjas Carroll – como ocorre em outras latitudes e com empresas de todos os
tipos – mantêm uma fundação social na região, em que aplicam parcela ínfima de seus
lucros. É o imposto da hipocrisia. Assim, esses capitalistas engambelam a opinião
pública e neutralizam a oposição da comunidade. A ação social deve ser do Estado,
custeada com os recursos tributários justos. O que tem ocorrido é o contrário disso: os
estados subsidiam grandes empresas, e estas atribuem migalhas à mal chamada "ação
social". Quando acusadas de violar as leis, as empresas se justificam – como ocorre,
no Brasil, com a Daslu – argumentando que custeiam os estudos de uma dezena de
crianças, distribuem uma centena de cestas básicas e mantêm uma quadra de vôlei nas
vizinhanças.

O governo mexicano pressionou, e a Organização Mundial de Saúde concordou em
mudar o nome da gripe suína para Gripe-A. Ao retirar o adjetivo que identificava sua
etiologia, ocultou a informação a que os povos têm direito. A doença foi
diagnosticada em um menino de La Glória, ao lado das águas infectadas pelas Granjas
Carroll, empresa norte-americana criadora de porcos, e no exame se encontrou a cepa
da gripe suína. O resto, pelo que se sabe até agora, é o conluio entre o governo
conservador do México e as Granjas Carroll – com a cumplicidade da OMS.

Gripe Suína

11.5.09
A gripe suína e o erro de Pasteur por Vitor Pordeus

A imunologia vive na fronteira da biologia e da medicina. É quando o conhecimento
sobre o ser humano, sua cultura, seus hábitos, se transforma em natureza, em relações
entre células e moléculas, algo com um sabor ecológico, como o corpo encontra o
mundo. E sendo a biologia uma ciência, a imunologia é um excelente campo para
quem quer explicações científicas, conhecer a natureza a partir de nosso próprio viver,
nosso adoecer, etc. Aliás, sem uma aproximação verdadeira com a biologia a
imunologia seria até hoje uma tecnologia limitada a produzir vacinas e testes
laboratoriais. Na realidade, isto é algo a que uma boa parte dos imunologistas
profissionais se dedica. Isso é terrível porque é muito difícil aplicar um conhecimento
que ainda não desenvolveu suas explicações biológicas. Assim sendo, o conhecimento
básico que deveria servir de alicerce para o que os imunologistas constroem do ponto
de vista tecnológico - vacinas, anticorpos monoclonais, drogas imunomoduladoras – é
frágil e caduco, não está ligado adequadamente ao que sabemos sobre a natureza dos
seres vivos. Por isso nossa compreensão e maneira de lidar com os fenômenos
imunológicos, como gripes suínas e aviárias, AIDS, alergias e doenças autoimunes é
tão ruim, e não consegue lidar com esses acontecimentos biológicos de uma forma
racional. Ao contrario, o que observamos é uma maneira alucinada, irracional, guiada
por uma mídia ignorante e irresponsável, que pode provocar terror e pânico, com
gastos astronômicos do dinheiro público. Mas, a Terra não é o centro do universo, ela
gira em torno do Sol. Há outras maneiras de explicar, maneiras mais racionais e
interessantes, que nos colocariam em uma posição mais adequada de lidar com a
natureza.
Primeiro de tudo: os vírus da família Influenza têm como reservatórios naturais e
assintomáticos as aves, os porcos, cavalos e focas, além do Homo sapiens sapiens e,
de modo geral, tais infecções são assintomáticas, quer dizer, não cursam com uma
doença infecciosa. Os vírus influenza que regularmente circulam entre os seres
humanos são de origem aviária ou suína, e não há nenhuma novidade em uma “gripe
suína”. Há registros de epidemias que provavelmente eram de gripe há mais de 400
anos. Em todos os casos de epidemia e pandemia estavam por trás condições
sanitárias miseráveis, exploração industrial excessiva de homens ou de animais,
modos de vida ultrajantes e anti-naturais, mas nesse assunto ninguém toca, seria
responsabilidade demais com o outro.
Outro dado importante 99% das vezes que você tiver contato com um vírus você não
adoecerá, nem se dará conta disso, a convivência com esses vírus tem sido pacífica
por quase toda a história da civilização. Há descritos hoje mais de 48 mil retrovírus
que estão fisiologicamente incorporados ao genoma humano; mais que isso, hoje
sabemos que esses retrovírus participam de processos importantíssimos na construção
e manutenção do organismo como a montagem do sistema imunológico e a formação
da placenta. Quer dizer, a idéia de que você adoece quando é infectado com um vírus,
ou bactéria, é falsa. Foi esse o erro de Pasteur que apesar de conseguir induzir doença
através da inoculação experimental de microorganismos, não atentava para o
comportamento da maior parte das cobaias, como coelhos e galinhas, isto é, para a
maioria dos animais que permanecia saudável, embora infectada. Pasteur, e outros
cientistas do fim do século XIX, avançaram a idéia de "agentes infecciosos". Os
médicos e a sociedade a incorporaram e super-valorizaram o conceito das vacinas,
menosprezando medidas valiosas e urgentes para a melhoria e manutenção de saúde
pública, para atender pressões de uma mídia que manipula a opinião pública e está
pactuada com a indústria farmacêutica e das vacinas. Vamos assim evitando a única
forma eficiente de medicina, a de medicina de famíla, preventiva, educativa e
promotora da saúde, que tem como base a educação, o saneamento básico a
emancipação do cidadão, sua autonomia. A verdade científica sobre os fatos.
Ironicamente, graças à essa enorme dificuldade que nós, médicos e cientistas, temos
de nos aproximar e conhecer a natureza, por estarmos obcecados com vacinas,
anticorpos monoclonais e outros produtos da biotecnologia, estamos centrados em
nossos umbigos doentes, só pensamos em doenças, transformamos a medicina na arte
das doenças, e não mais na arte de curar. Mas não conseguiremos tratar as doenças
sem entender a saúde. Precisamos recuperar a vitalidade da medicina e cultivar a vida,
fazer biologia, viver com saúde e não mais viver com medo de morrer de gripe suína.
Agradeço a Nelson Vaz as correções

Vitor Pordeus é Médico pesquisador, Coordena o Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde
da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil, é associado ao Laboratório de
Imunobiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, e Whilhelm Agrícola
Research Grant, Federico Foundation, Zurich, Suíça.

Gripe Suína

TUDO INTERNO
DOS NEURÔNIOS
ciência sem arte é burra, arte sem ciência é cega.
WWW.imanentemente.blogspot.com

20.7.09
Parece Exagero de Nelson Vaz
Parece exagero. Em pleno século XXI, seguimos literalmente a proposta da Teoria
dos Germes (Pasteur, 1878), segundo a qual as doenças infecciosas são determinadas
(causadas, especificadas) pelo contágio com germes específicos. Na realidade, a idéia
de contágio com "sementes" invisíveis precede a Teoria dos Germes por mais de 300
anos, pois já era discutida em um livro de Girolamo Fracastoro, em 1534. Parece
impossível, mas somos guiados por idéias criadas há meio milênio. Pois ao pensar na
"gripe suína", imaginamos que a doença é determinada (causada, especificada) pelo
contágio com o vírus influenza A-H1N1. Em geral, usamos também a idéia de que a
proteção contra esta doença depende da produção de anticorpos neutralizantes,
exatamente como proposto por Behring e Kitasato (1890), ao caracterizarem os
primeiros anticorpos neutralizantes, as antitoxinas contra a tétano e a difteria.
Finalmente, também acreditamos que a solução deste problema depende de uma
vacina a ser fabricada a partir na atenuação do vírus A-H1N1, por um método ainda a
ser inventado e testado empiricamente. Não surpreende, portanto, que os dados que
circulam na imprensa sobre a "gripe suína" sejam tão confusas, pois em plena Idade
Mídia, ainda usamos conceitos da Idade Média.
Todos os imunologistas sabem que as doenças infecciosas não são determinadas
(causadas, especificadas) pelo contágio com agentes infecciosos (micróbios vírus ou
parasitas) específicos. Como discutido em um lindo artigo de René Dubos (1974), o
próprio Pasteur sabia que o terreno (terrain), a suscetibilidade individual, é o que
determina (causa, especifica) se, ocorrido o contágio, a doença ocorrerá ou não. Os
imunologistas sabem que há indivíduos que são portadores sãos de agentes
infecciosos potencialmente patogênicos, pois lembram de Mary Mallon, a Typhoid
Mary, que disseminava a febre tifóide sem ser afetada pela Salmonella typhi (Leavitt,
1996). E sabem também dos germes oportunistas que, usualmente, não são
patogênicos, mas lesam organismos debilitados.
Todos os imunologistas sabem que muito são raras as doenças nas quais a mera
presença de anticorpos neutralizantes pode ser apontada como substrato da proteção
imunológica. E sabem ainda que quase todas as vacinas de que dispomos foram
inventadas de maneira empírica, por experiência e erro, pois não conhecemos regras
para a atenuação de agentes infecciosos, inventada por Pasteur, nem os mecanismos
dos quais resulta a proteção. Há, inclusive, propostas recentes de fundir vacinas que
conferem uma proteção duradoura e eficaz, como a vacina contra a febre amarela,
com antígenos de outros agentes infecciosos, por exemplo, da malária, porque não
sabemos ainda inventar uma vacina duradoura e eficaz contra a malária (Lambert, Liu
and Siegrist, 2005).
Mas, os imunologistas que podem dizer tudo isto em poucas palavras, não o fazem
porque a sociedade não suportaria tamanha descrença sobre a medicina. Não toleraria
saber que a medicina científica do século XXI tem aspectos comparáveis a práticas
empíricas e obscuras de medicinas alternativas do passado remoto Seria difícil
reconhecer que ainda não entendemos adequadamente as doenças e por isso não
dispomos de métodos eficazes de intervenção ou de prevenção. Que não entendemos
o adoecer porque não entendemos o viver saudável. Quando Reitor da UFMG, Tomaz
Mota Santos, um imunologista, disse que "com as campanhas de vacinação, os
governos querem resolver contradições sociais". Mesmo sem entender as doenças,
sabemos que a melhor forma de proteção é uma vida limpa e digna, como sabiam os
Higienistas parisienses que deram apoio às idéias de Pasteur, pois sabiam que elas
ajudariam a melhorar as condições de vida de populações desvalidas (Latour, 1988).
Há contradições também no que digo. Uma característica da pandemia de influenza
de 1918, na qual um vírus similar ao A-H1N1 da pandemia atual matou dezenas de
milhões de pessoas, era provocar doença mais grave em adultos jovens, que em
crianças e velhos, como se o vigor da reação ao vírus, fosse um fator de risco. Não
basta ser jovem e viver uma vida limpa e digna para estar livre de doenças
infecciosas. Os imunologistas podem dizer tudo isto. Ao não dizê-lo, aumentam a
nossa dívida com a dúvida.

Referências
Behring, E. and S. Kitasato (1890). The mechanism of immunity in animals to diphteria and
tetanus. Milestones in Microbiology. e. T.Brock. Washington,D.C., Am.Soc.Microbiol.: 138-
140.
Dubos, R. (1974). "Pasteur’s Dilemma-The Road Not Taken."
AMS-News 40(9): 703-709.
Lambert, P.-H., M. Liu, Siegrist, C-.A. (2005). "Can successful vaccines tell us how to
induce efficent protective immune responses?" Nature Medicine 11(4): 554-562.
Latour, B. (1988)The Pasteurization of France
Cambridge, Mass, Harvard University Press.
Leavitt, J. W. (1996). Typhoid Mary, Captive to the Public Health. New York, Beacon
Press.
Pasteur, L. (1878). "The germ theory and its application to medicine and surgery." Comp.
Rend. de l"acad. Sci. 86: 1037-1043.

Nelson Vaz é médico de formação, e um dos cientistas mais importantes da
imunologia mundial, fundador desta ciência no Brasil, é Professor Emérito de
Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Membro da Academia
Brasileira de Ciências, e Membro honorário da Academia Portuguesa de Imunologia.